Texto escrito por Robson Souza.
Quase vinte anos do documentário, A Negação do Brasil https://www.youtube.com/watch?v=S5bgipo2Dic, no qual o diretor Joel Zito Araújo questionava a ausência de personagens negras e negros nas produções nacionais, além de apontar a forma estereotipada que os mesmos eram retratados, a falta de representatividade étnico racial nas televisões Brasileiras continua sendo um enorme desafio ainda nos dias de hoje. A pergunta título não pretende apresentar respostas conclusivas, mas apenas causar estranhamento e chamar sua atenção para esta anormalidade.
Quando pensamos nas atribuições desempenhadas pela mídia, é preciso percebe-las não somente como suposto e insuspeito espaço de entretenimento, mas como um importante dispositivo de controle de corpos e produtor de consensos que atendem interesses muito específicos. Desde a sua criação a mídia tem funcionado como poderoso instrumento de manutenção da realidade vigente, além de contribuir diretamente na construção de subjetividades “legitimas” e “ilegítimas”.
A mínima superação desta lacuna que resulta da falta de oportunidades oferecidas a população negra, certamente levará um bom tempo até que seja preenchida de forma democrática, visto o quanto as pautas referentes ao racismo só parecem ser relevantes quando geram algum tipo de engajamento e destaque para outros grupos. Além do mais, a branquitude parece ter naturalizado sua presença predominante nos espaços de poder e representatividade, a ponto de não se incomodar tanto por ocupá-los há séculos.
As complicações em volta desta ausência nos levam em direção a dois grandes problemas: uma maior taxa de desemprego enfrentado por esta população na área em questão, e uma enorme dificuldade na construção de um sentimento positivo e de pertencimento ligados a negritude, já que nossas referências de sujeitos negros são bastante limitadas e por vezes tratadas de forma estereotipada. Estes sintomas são notados também em situações anteriores, como uma falta sistêmica de acessos. Cadê os artistas negros nos teatros e cursos de artes cênicas do país?
Um corpo social, composto majoritariamente por pessoas negras e negros, me parece estranho me ver tão mal representado nos veículos de comunicação televisivos. Como é possível que um povo que representa mais de 50% da população não esteja em mesma proporção nestes espaços? Talvez porque mecanismos de invisibilisação, que são parte estruturante da nossa sociedade racista, estejam agindo para impedir que estes corpos emerjam da subalternidade a qual são diariamente submetidos.
Na última semana, a empresa Magazine Luiza causou polêmica ao anunciar um processo interno que visa aumentar seu quadro de colaboradores negros (as) em cargos de comando, que hoje é de 16% mesmo que estes correspondam a 53% dos funcionários da empresa. Neste mesmo ano, a vigésima edição do Big Brother Brasil contou com três participantes negros, de um grupo de vinte pessoas. Apenas na reta final do reality é que foi possível constatar igualdade de representatividade racial que verdadeiramente indique a nossa realidade, mas isso somente após a eliminação de 80% do elenco.
Estes exemplos me fazem pensar no tamanho dos esforços que teremos que mobilizar para alcançarmos uma sociedade mais justa, e equilibrada. Quantos destes processos terão de ser feitos até que o Magazine Luiza altere o seu cenário atual? E este equilíbrio significa necessariamente combater privilégios e é aqui que temos um ponto interessante a ser questionado. Quanto a branquitude está disposta a abrir mão do protagonismo e também de sair de cena?
Esta desproporcionalidade não é mero acaso e faz parte de amplo processo de segregação racial. Não aparecer ou ter uma imagem de si retratada de forma negativa, é fruto de um empreendimento bastante antigo no Brasil. A nossa televisão é reflexo de um projeto de que supremacistas brancos e eugenistas, defendiam como ideal de sociedade ao longo dos últimos séculos e tinham como premissa, desaparecer com tudo aquilo que remetesse ao povo negro.
Não é difícil entender que se vivemos numa sociedade racialmente desigual e racista, muito provavelmente que os indivíduos que fazem parte do grupo hegemônico, no caso a branquitude, e que contam com os aparatos de poder, irão se utilizar de diferentes estratégias para conservarem seus privilégios dentro desta estrutura, e a televisão é uma delas. Mas até quando seguiremos negando um Brasil que é preto e indígena desde a sua formação?
Não sejamos ingênuos de pensar que os responsáveis por aquilo que é transmitido nos canais de televisão, agem de forma despretensiosa e impessoal. Tanto as narrativas quanto os discursos que são produzidos ali, pretendem normalizar a ausência de sujeitos negros nestes locais, e cabe a nós questionarmos estas práticas e disputarmos cada vez mais por estes espaços.
Eu finalizo deixando um convite para que a branquitude se comporte de maneira verdadeiramente antirracista e lute ao nosso lado por maiores condições de igualdade de oportunidades, para que finalmente nossas disputas sejam mais democráticas e equitativas. Se ocupar um lugar na luta contra o racismo for muito para vocês, nós, negras e negros, iremos reivindicar de forma mais incisiva por tudo aquilo que nos tem sido negado e isso significa assumir que ocupamos lugares antagônicos nesta estrutura.
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