A INSISTÊNCIA BRASILEIRA EM TOLERAR O INTOLERÁVEL.

Imagem disponível da internet.

Dia após dia somos surpreendidos por acontecimentos e declarações tão absurdas, e mesmo que sejam recorrentes, por ingenuidade ou sei lá o que, repetimos o mesmo mantra de que “nada mais me surpreende neste país” até surgir um novo fato e sermos arrastados numa espécie de looping para este lugar cansativo de novidade constante.

O problema é que geralmente estas “novidades” são algum tipo de violação de direitos básicos e/ou discursos de ódio disfarçado de liberdade de expressão, como eles querem que acreditemos. Desde a sua fundação enquanto sociedade brasileira, o intolerável sempre serviu de parâmetro para a consolidação da nossa normalidade.

E hoje, mais uma vez tivemos a barreira do intolerável ultrapassada, quando um sujeito ao questionar os limites dos direitos da liberdade de expressão, não satisfeito vai além, e defende sem nenhum tipo de constrangimento a existência de partidos nazistas. Mais do que cometer um crime e de violentar as vítimas do nazismo, sua fala nos da um indicativo do enorme fundo do poço que este país sempre esteve.

Importante não esquecermos que declarações deste tipo encontram acolhida e aplausos em diferentes lugares da nossa sociedade e como eles passam a se expressar sem nenhum retraimento. Nosso imaginário racista, quando desmascarado, desconstroem a nossa ilusão de quando acreditávamos que vivíamos no paraíso das raças, a farsa era só mais uma engabelação que nos enfiaram goela a baixo.

Quando olhamos para o passado, vemos que nosso país sempre esteve de braços bem abertos para nazistas, e não atoa é daqui o maior partido nazista fora da Alemanha. Apesar do “efeito Bolsonaro”, que contribuiu para que grupos extremistas aumentassem assustadoramente pelo país, não é de hoje que membros destes grupos e simpatizantes circulam entre nós.

Mesmo sendo justo, é preciso dizer que o secretario de cultura nazista não foi mero acidente, assim como os vários casos que surgiram ao longo dos últimos anos. Vivemos num momento de avanço do autoritarismo e de ruptura mais aguda sobre os limites do intolerável, o que pode justificar o fato de Bolsonaro e Monark não estarem presos, já que ambos cometeram abertamente crimes de apologia a ditadura e ao nazismo, respectivamente. Mais do que declarações de repúdio é preciso eliminar estes discursos para que não prosperem.

A morte violenta do jovem Moïse e de outras vítimas de racismo pelo país, são banalizadas e tratadas como algo corriqueiro e assim vamos normalizando tudo de ruim que esta sociedade tem a nos oferecer sem nos dar conta de que trabalhamos em favor de nossos opressores. É preciso tornar intolerável o assassinato brutal contra a juventude negra, a violência policial e todas as misérias que há séculos compõe a estrutura deste país.

O intolerável que sempre esteve fora do lugar, estabeleceu-se como regra e talvez seja por isso que o absurdo, de maneira geral, muitas vezes nos pareça como algo irrelevante e comum. De “caso isolado” a tantos outros casos isolados, tudo vai criando uma mesma aparência e se tornando mais do mesmo, e assim vamos nos habituando mais e mais com a barbárie.

A pandemia se tornou um ótimo exemplo de como atitudes intoleráveis foram aos poucos sendo flexibilizadas até se tornarem “toleráveis”, e do quanto nos acostumamos a naturalizar a tragédia que fazemos parte. A volta da fome e miséria que se espalham entre nós, o encarecimento do custo de vida, mais de 600 mil vidas perdidas ao longo da pandemia, são situações que aparentemente são passiveis de serem toleradas.

Precisamos estabelecer juntos novos limites do que entendemos como tolerável e impedir que a fronteira do intolerável seja ultrapassada, não pode haver mais espaço para avançarem sobre nossos corpos. Devemos nomear o que de fato é intolerável, morrer de fome é intolerável, não ter acesso a saúde, educação e moradia digna é intolerável, aceitar que nos matem é intolerável. Todo e qualquer discurso de ódio disfarçado ou não de liberdade de expressão precisa ser combatido.

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