Um Brasil que se repete em Torto Arado.

Imagem: Torto arado | Amazom.com.br

Mais um novembro que se inicia e o mês da consciência negra requer que tenhamos uma compreensão do que foi e tem sido o processo de construção deste país. Felizmente temos uma vasta literatura e de muita qualidade que nos ajuda a pensar o que é o Brasil, e qual o papel da população negra, não apenas para a formulação deste pensamento, mas de suas contribuições significativas em todas as áreas da sociedade brasileira.

Durante este último ano em que seguimos imersos na solitude imposta pelas medidas de distanciamento social, encontrei em algumas leituras um jeito de preservar minha saúde mental. Aproveitei para ter um contato maior com obras da literatura nacional e tive a sorte de começar por ‘torto arado”, que se tornou um dos melhores livros que li este ano.

Minha indicação não se restringe somente ao meu gosto particular pela obra, mas pelas contribuições que ela nos dá para pensarmos este Brasil por vezes esquecido. É impossível entender as disfunções que se perpetuam em nossa sociedade, desconsiderando os efeitos provocados por uma transição social sem que o Estado garantisse condições mínimas de existência para uma população inteira que havia sido submetida aos horrores do regime escravista.

Ao longo da obra de Itamar vamos conhecendo um pouquinho das personagens Belonísia e Bibiana, que nos apresentam o passado de um Brasil extremamente desigual, e que segue se repetindo. Em alguns momentos a escrita do autor provoca algumas dúvidas sobre o período que está sendo retratado, sintetizando a substancia do que é o Brasil, um museu de grandes e trágicas novidades.

Ao se romper com o antigo regime, este país não teve a decência de promover políticas que assegurassem dignidade para as vítimas e sobreviventes da escravidão. Assim, ao deixar de ser o centro da acumulação capitalista o povo negro continua sendo explorado e passa a ocupar as margens da nossa sociedade vivendo agora sob o manto de uma falsa democracia racial.

Torto arado nos transporta para um passado bastante recente, no qual podemos enxergar a brutalidade experimentada por um povo que vive esquecido pelo Estado e que continua sendo violentado de diferentes maneiras. O livro é um triste reflexo de um país que renega e tem no povo negro um potencial alvo a ser combatido. Vivemos, ou pelo menos tentamos sobreviver, num verdadeiro território antinegro.

Como resultado acumulamos uma serie de desvantagens traduzidas em falta de acesso a bens e direitos básicos. Os dias atuais repetem as violências que outrora foram impostas a população negra, e insiste em nos tratar como não cidadãos. O brasil que até hoje não acertou suas contas com seu povo, se pinta de democrático e finge não entender que o que acontece nos dias de hoje, tem suas raízes na constituição deste país.

As terras brasileiras são antes de mais nada, a consolidação de um projeto de superexploração e extermínio das populações indígenas e negras, e a obra de Itamar nos chama para essa conversa mais que necessária. Os latifundiários e os herdeiros do passado colonial, que se beneficiaram dos lucros da escravidão, continuam controlando o país e são os responsáveis pelas desgraças que recaem sobre nossos corpos.

Vez ou outra, temos a notícia de trabalhadores libertos em situações análogas à escravidão, demonstrando a necessidade de mais fiscalização e ações que coloquem fim a esta pratica que viola os direitos humanos. Precisamos construir em nosso horizonte a superação do verbo “resistir”, e para isso é fundamental que haja reação de nossa parte para rompermos com este ciclo vicioso.

O grande sucesso do livro de Itamar Vieira, mais que inspirador, nos coloca diante da excelente literatura produzida no país e que muitas vezes tem passado despercebida por nós.  Sua obra também serve de instrumento para aumentarmos nossa compreensão do Brasil, e para quem ainda não conhece Torto arado, deixo como convite a leitura deste livro belíssimo que faz um mergulho profundo nas feridas abertas deste país.

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