texto escrito por: Robson Souza.
Ainda influenciado pelos debates raciais, a mais recente edição do reality show Big Brother Brasil, inova e chama atenção ao trazer um elenco composto por 50% de participantes negros. Certamente algo mais aproximado da realidade social do país, que constantemente precisa levantar discussões sobre a ausência de pessoas negras em espaços tão comuns, expondo como age o racismo em nossa sociedade.
Desde a estreia, muito tem se discutido sobre os acontecimentos da casa, principalmente sobre episódios que levaram a desistência de um dos participantes. É possível se tivermos interesse, que a partir deste fato possamos ampliar nossas reflexões e adapta-las a nossas relações sociais, em busca de um padrão que se repete entre nós.
A atual edição do programa que conta com a maior diversidade entre os participantes, ao mesmo tempo em que aponta para uma tendência positiva no avanço de alguns debates, mostra o tipo de tensionamento que eles provocam e os desafios que teremos para construirmos uma sociedade que de conta dessa pluralidade de sujeitos, em oposição a uma ideia de mundo cisheteronormativa e branca.
Tudo aquilo que Lucas passou enquanto sobreviveu dentro da casa, é uma amostra bastante fiel do que jovens pretos precisam lidar apenas para existirem. Nem todos nós estamos em busca de prêmios de um milhão de reais, mas nem por isso somos poupados de encarar os “paredões” da vida, ou então, ser “eliminados”.
E desculpe o trocadilho, mas a maior “prova de resistência” quando se é um jovem negro, é não cair nas inúmeras possibilidades, de literalmente ser eliminado antes da hora. As condições desumanas que a população negra é submetida e o seu genocídio, que costumam passar em “branco” e ser naturalizado por muitos de vocês, deu lugar a um sentimento de revolta, que atrevo a dizer que se não superamos o racismo ainda, estamos bem próximos disso.
Interessante e trágico que enquanto os participantes da casa o tratavam com violência ou indiferença, do lado de cá da tela o que vimos foi um enorme engajamento movido pela empatia e senso de justiça em defesa de Lucas. O que me causou certo estranhamento, já que corpos negros não costumam ser tão “importantes” a ponto de provocar mobilizações tão expressivas.
O que me leva a pensar que essa comoção toda é muito mais sobre a espetacularização dos fatos, do que empatia com um homem preto e pobre. Além disso, difícil não imaginar que parte dessa afinidade pelo “grande irmão”, não possui sua raiz num desejo de ser abertamente racista com os outros participantes envolvidos no conflito, em especial, as mulheres negras.
Dito isso, pode ser que teríamos de lidar com um certo dissabor caso pudéssemos nos assistir. Seja pelo gosto amargo por estar numa posição semelhante à de Lucas, e ser tão humilhado a ponto de ter que desistir, ou então por ser indiferente e ser tão responsável quanto os causadores de danos. Nossas escolhas ou falta delas, tem impactos semelhantes aos que temos assistido.
É por isso que precisamos ter em mente que o aspecto estrutural do racismo, como o que se reproduz dentro da casa tanto, via ausências quanto por retaliação daqueles corpos que são subalternizados, não impede que ele se manifeste em nível micro e individual. Aliás, sua complexidade passa justamente por articulações em todas as esferas. Infelizmente alguns sujeitos têm invocado o racismo estrutural como tentativa de distanciamento de seus racismos latentes.
Se podemos afirmar que fazemos parte de uma sociedade estruturalmente racista, que informa a ausência desses sujeitos nestes espaços, a questão da vez é de como podemos resolver este problema juntos? Importante refletir como ficamos daqui em diante. Se este elenco que aposta na diversidade, faz parte das novas políticas da casa e o quanto disso será expandido para outras áreas.
Pois bem, quais daqueles comportamentos temos reproduzido em nosso dia a dia? Eu não sei até que ponto vai a tua capacidade de perceber a legitimidade e o direito do outro existir, mas se continuarmos acreditando que o fato do nosso show não ser público, torna nossas atuações irrelevantes, cenas iguais às de Lucas continuaram a ser reproduzidas.